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Foto do escritorMônica Cyríaco

UMA PROPOSTA DE ESCOLA LEITORA

" O FUTURO É PROBLEMÁTICO, NÃO INEXORÁVEL" ,

Paulo Freire


Meu primeiro post será o último trabalho que apresentei em sala de aula para professores da escola em que trabalhei por 25 anos: uma proposta de escola leitora.

Diante de um momento absolutamente imprevisível da política brasileira , dos desafios cada vez maiores enfrentados pelo professor e da constatação de que, hoje, leitura e escrita são tecnologias de ponta acessíveis para poucos, propus uma escola leitora, baseada na observação de que os nossos alunos ( e também nossos professores!) estão lendo pouca literatura.

Como texto motivador, iniciamos com um vídeo sobre Paulo Freire que, na Pedagogia da autonomia, fala sobre o professor verdadeiramente democrático, capaz de trabalhar o aprendizado crítico.



O vídeo utiliza, pra falar de educação, um repertório muito conhecido da Literatura, as condições para a aprendizagem crítica : os próprios alunos devem vivenciar a experiência de construir e desconstruir o saber, serem desafiados a relacionar informações em busca de conclusões, perceber que há informações antagônicas para o mesmo fato, formular interpretações pessoais, estabelecer relações entre o que leram e o que acontece em seu país, seu estado, seu bairro... Em tempos de demonização das Ciências Sociais e da Filosofia, percebem como a Literatura é uma ferramenta poderosa?

Proposta :

Fazer uma leitura de textos literários, artísticos e de divulgação científica semanalmente em todas as aulas de todas as disciplinas.

Considerei, para esse post, as áreas de conhecimento do Ensino Médio, que ainda estão valendo, tanto para o planejamento, quanto para a avaliação final do segmento, o ENEM:

Ciências Humanas e suas Tecnologias: História, Geografia, Filosofia e Sociologia. Ciências da Natureza e suas Tecnologias: Química, Física e Biologia. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias: Língua Portuguesa, Literatura, Língua Estrangeira (Inglês ou Espanhol), Artes, Educação Física e Tecnologias da Informação e Comunicação. Matemática e suas Tecnologias: Matemática.


Aqui vão algumas possibilidades de trabalho, de acordo com essas áreas de conhecimento no E.M.

A ARTE, A MATEMÁTICA E SUAS TECNOLOGIAS


O médico estadunidense Leonardo Shlain, inventor da cirurgia de laparoscopia, pesquisador, cientista e escritor me serviu de guia para as sugestões de interdisciplinaridade das ciências com as Artes e a Literatura. Com seu livro Art e Physics (1991), ele propõe que "um artista visionário é o primeiro membro da cultura a ver o mundo de uma nova maneira e quase simultaneamente um cientista revolucionário descobre uma nova maneira de pensar o mundo."

Os conceitos mais importantes da ciência , o espaço – tempo e a luz foram pensados pela arte.

Desse modo, é possível que um professor de Matemática possa iniciar sua aula semanal direcionando a leitura de telas para destacar diferenças entre a perspectiva clássica e a perspectiva moderna , como veremos nos exemplos abaixo, de Da Vinci e Cézanne, dois artistas separados no tempo: É importante dizer que o que interessa aqui é abordar a perspectiva , é claro que , por se tratarem de duas obras de arte, haveria outros possíveis assuntos , outros temas a serem abordados e ampliados no trabalho com essas imagens.




A PERSPECTIVA CLÁSSICA

Ao apresentar a Virgem dos Rochedos , de Da Vinci, 1483, é importante que o aluno olhe a obra atentamente, sem pressa. Qual o tema? Por que Da Vinci terá escolhido esse tema? De seu ponto de vista, o que você vê no canto superior direito? e no inferior? Reparou que a única cor mais chamativa está justamente nesse canto ? O que pode sugerir?

E no canto esquerdo, o que pode ser observado? Percebe que nesse canto há um caminho sugerido? E que esse caminho converge para a cabeça da Virgem? Que figura geométrica poderíamos traçar nessa tela?

É claro que o professor terá que se preparar um pouco mais para essa aula. Falar brevemente do Renascimento, da retomada do valores da arte greco-romana, da valorização do homem

(humanismo; observe que a representação humaniza os santos, deixa-os parecidos com pessoas comuns) , da natureza em oposição ao divino e ao sobrenatural

(eles estão numa gruta e não no céu ou numa igreja;repare que todas essas informações estão no quadro, nada é jogado para o aluno) e principalmente da descoberta, apoiada nos princípios matemáticos e geométricos, da técnica da perspectiva, que simula as diferentes distâncias e proporções que os objetos,vistos de longe, têm entre si. Depois de todas essas observações, o professor pode concluir sua aula unindo a leitura da obra à Matemática: Nesse quadro, a partir do ponto de vista único de quem observa a tela, a perspectiva simula uma distância e sugere ao observador um caminho a ser percorrido, um ponto de fuga para o nosso olhar que nos oferece um horizonte. O que isso tem a ver com o espírito da época? De que maneira as descobertas do desenho geométrico influenciaram o artista?


Sugestões de atividades :

Geometrizar a obra ( ou várias delas previamente escolhidas pelo professor) ;

Escolher uma tela que apresente perspectiva e discorrer sobre ela;

Desenhar um quadro a partir de uma fotografia utilizando perspectiva;

Fazer uma releitura da obra, entre outras possibilidades.

Desenhar com sombras projetadas.

Projetar sombras de objetos ou pessoas em diferentes momentos do dia.


A PERSPECTIVA MODERNA

Agora observe o quadro A mesa da cozinha, de Paul Cézanne, 1888. De seu ponto de vista, o que você vê primeiramente? O que você percebe nas cores utilizadas? De onde você acha que vem a luz desse quadro? Que história essa tela nos conta? ( quem vive ali, como vive, onde ocorre essa cena? É possível traçar diferenças entre os dois artistas ? Quais?

Paul Cézanne foi um importante artista do início do século XX. Como um homem de seu tempo, dedicou-se aos estudos das relações entre espaço e luz . Na arte clássica, sombras sempre se opuseram a fontes de luz, mas nas obras de Cézanne, a fonte da luz e sua direção são impossíveis de serem detectadas, pois ao artista interessa uma espécie de "luz universal", sem ângulo de inclinação, sugerida pelas cores. Cézanne introduziu distorções e alterações na perspectiva , modificando-a. Muitas vezes os efeitos de perspectiva davam-se pelo uso da cor, o artista perseguia chegar à perspectiva unicamente pelas cores, utilizando-se de blocos de cor para atingir forma e profundidade. Além disso, introduziu múltiplas perspectivas em sua obra, eliminando o ponto de vista único, como pode ser observado no esquema abaixo:

Erle Loran. Cézanne's Composition,1985

O artista afirmava que via a natureza segundo suas formas fundamentais: as esferas , o cilindro e o cone e tentava captá-las no espaço natural. Simplificava, assim , sua pintura, reduzindo-a a limites quase geométricos. Por essa razão, muitos o consideraram o pai do Cubismo .

Sugestões de atividades :

A partir de uma fotografia, desenhar um quadro utilizando-se de blocos de cores e das formas geométricas do cilindro, cone e esfera;

Criar uma cena em que se possa perceber mais de uma perspectiva;

Desenhar a mesma cena a partir de perspectivas diferentes,deslocando o observador, como no esquema de Erle Loran.

Pesquisar sobre Escher, "o mago" da perspectiva.

Sugerir uma redação com o tema da Perspectiva.


A LITERATURA MATEMÁTICA

Um site extremamente interessante tanto para professores de Literatura quanto para professores de Matemática é o site da OULIPO, um grupo de poetas matemáticos fundado no início do século XX. Um acrônimo nomeia o grupo , eles se definem como um OUvrier (atelier) de LIttérature POtencielle. Um ateliê de literatura potencial seria "uma literatura em quantidade ilimitada, potencialmente produtiva até o fim dos tempos, em quantidades enormes, infinita para todos os fins práticos". Essa literatura, utilizando-se da lógica matemática, é delimitada por regras(contraintes) inventadas pelos escritores, que se definem como " um rato que constrói ele mesmo o labirinto de onde ele se propõe a sair". E esses labirintos são formados por palavras, sons, frases, parágrafos , capítulos... Um exemplo de contrainte: criar um texto onde as iniciais das palavras sucessivas apareçam em ordem alfabética :


Exemple :

Inventaire : A brader : cinq danseuses en froufrou (grassouillettes), huit ingénues (joueuses) kleptomanes le matin, neuf (onze peut-être) quadragénaires rabougries, six travailleuses, une valeureuse walkyrie, x yuppies (zélées).


Outros exemplos de contraintes podem ser textos que utilizem anagramas, palíndromos, a escrita de um romance excluindo uma determinada letra, exercícios de estilo, como contar o mesmo fato de um maior número possível de maneiras. Foi o fez Raymond Queneau que, a respeito de uma discussão num ônibus de Paris, utilizou-se de 99 maneiras diferentes para contar a mesma história! Denominam-se escritores matemáticos e sobre eles farei um post especial. O escritor deve criar labirintos de onde pretende escapar... uma bela sugestão para unir a matemática à literatura, não?

Sugestões de atividades :

Entrar no site da Oulipo e pesquisar as contraintes;

Criar um concurso de estilo: Quem consegue contar a mesma história de diferentes maneiras mais vezes?

Escrever textos a partir de regras preestabelecidas, tais como não utilizar uma determinada letra, ou elaborar um poema a partir do desafio da bola de neve, em que o primeiro verso terá uma letra, o segundo duas , o terceiro três e assim por diante, utilizando a progressão aritmética r=1, entre outras possibilidades.

Abaixo dois vídeos que se propõem a explicar melhor o que é OULIPO. O primeiro, bem curto , está em francês, sem legendas, infelizmente.

https://www.dailymotion.com/video/x2rtx1z


A ARTE E AS CIÊNCIAS DA NATUREZA


LUZ


Muitos artistas no final do século XIX brincaram com a luz. Muitos cientistas também. E não foi por acaso. Enquanto os Iluministas, Fauvistas e Dadaístas faziam a verdadeira revolução da luz e da cor na arte, muitos cientistas, culminando com Einstein, fizeram avanços muito significativos para compreendermos o universo e nosso lugar dentro dele. Desde o detalhamento da composição química das estrelas à determinação de um comprimento de onda de um corpo que se afasta, foi possível perceber a importância do estudo aprofundado da luz e das cores.


Em 1860, dois cientistas, Gustav Kirchhoff e Robert Bunsen descobrem elementos químicos a partir de um espectroscópio, o que permitiu que cientistas pudessem fazer cinco descobertas profundas e importantíssimas para o avanço da ciência : a composição química das estrelas; a descoberta da fusão do magnetismo, da eletricidade e da luz num campo magnético; a gênese do quantum, que explica que um corpo aquecido absorve ou emite radiação por meio de pequenos “pacotes” de energia _ o quantum/quanta , hoje chamado de fóton; o conhecimento da estrutura do átomo e , por último, a percepção da expansão do universo (red-shift) a partir da luz emitida pela frequência dessas ondas. Ufa!


Experiências com a luz aparecem na história desde a Antiguidade, mas se espalham na Europa, sob a forma de câmaras escuras durante o Renascimento. Veja aqui um exemplo de como funciona uma câmara escura:

https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/fisica/camara-escura-orificio.htm


Nos séculos posteriores, a câmara adquire lentes e espelhos para reverter a imagem, mas ainda não é capaz de reter a imagem gerada. Isso só acontecerá a partir das pesquisas de materiais fotossensíveis. Nos anos 1.700, a experiência é feita com materiais embebidos em sais de prata, mas será Daguerre em 1838, com o instrumento denominado de daguerreótipo, que finalmente conseguirá fixar a imagem alcançada por meio da câmara escura e das lentes, num sistema bastante simples: Uma chapa metálica era tratada com vapores de iodo, tornando-se fotossensível. Essa chapa era colocada numa câmara escura, sem contato com a luz, e exposta por 20 a 30 minutos. Após essa exposição, era vaporizada com mercúrio e embebida com cloreto de sódio.

Os artistas logo perceberam o que significaria a invenção da câmara fotográfica para a arte. Inicialmente , ela liberta a arte da obrigação mimética, ou seja, ao artista não é mais exigido que sua tela reproduza fielmente a realidade; posteriormente a fotografia vai ajudar a desconstruir muitos dos mitos tradicionalmente relacionados ao artista, como a importância de saber desenhar para ser considerado um bom pintor. Os Impressionistas, liberados pela fotografia, começam a trabalhar a seu modo com a captação do momento a partir da luz, como podemos ver na série de telas de Monet, que reproduzem a Catedral de Rouen em diferentes momentos do dia.

(Claude Monet, 1890)


A inovação tanto na escolha de cores para representar formas, quanto na técnica das pinceladas e do pontilhismo , além da recusa ao desenho tradicional já demonstravam um descolamento da arte do pragmatismo de captar a realidade. Para os Impressionistas, as cores tornaram-se mais importantes que os objetos e a linha que delineava um objeto na tela desaparece.


Man Ray, Ingre's Violin, 1924

Mais tarde Man Ray, um desses artistas geniais e curiosos, vai se perguntar se ter habilidade manual é algo inerente à arte e se o aspecto da reprodutibilidade técnica da imagem impede a fotografia de ser considerada artística. Suas experiências serão as respostas a essas perguntas.

E na sua opinião? Observe a fotografia ao lado. No que se difere de outras que você conhece? Há uma metáfora visual , você percebe? Fale sobre ela. Que elemento há em comum entre o instrumento musical e o corpo da mulher? ( Se der, o professor pode trazer o quadro de Ingres, a grande banhista, que serve de inspiração à fotografia)


As experiências desse artista não se limitaram ao uso da máquina fotográfica. A Ray interessava principalmente as experiências estéticas grafadas apenas pela luz, sem a mediação da máquina.

Man Ray, Lágrimas, 1932

Ao organizar os objetos cotidianos como tachinhas, bobina de fio e outras formas circulares diretamente no papel fotossensibilizado e exposto à luz o artista, a partir da técnica dos fotogramas, transita entre o abstrato e o figurativo, revela um novo jeito de olhar e cria um visão única e onírica, que deleitou tanto os Dadaístas quanto os Surrealistas. A esses trabalhos, chama-os de Rayographs.


Man Ray, Rayograph, 1922, THE MET

Foram profundas as transformações ocorridas na virada do século, tanto na Arte quanto na Ciência. Paralelamente às inovações da técnica da máquina fotográfica e dos Impressionistas com a luz e as cores, Einstein se dá conta de que a luz (que é cor) é a quintessência do universo. Monet afirmara, antes de Einstein, que “ o assunto real de todo pintor é a luz” e Einstein, mais tarde, comenta: “ para o resto de minha vida quero refletir sobre o que é a luz”. Arte e Ciência juntas. Um belo casamento interdisciplinar para ser trabalhado nas turmas do Ensino Médio!






Sugestões de Atividades :

Construção de uma câmara escura

Leitura de telas Impressionistas, Fauvistas

Pesquisa sobre o significado das cores

Construção de um espectrômetro:

Pintura de telas à moda impressionista/fauvista

Criação de fotogramas:

Criar interferências em fotografias

Criar metáforas visuais a partir de fotografias do celular, utilizando programas de manipulação de imagens.

Fazer uma exposição.

ESPAÇO-TEMPO


Para que possamos ter uma ideia do que significa o espaço-tempo na Teoria da Relatividade, vale a pena assistir a esse vídeo sensacional

A noção de espaço-tempo, outro ponto de encontro entre a Arte e a Ciência no início do século XX, foi bastante explorada pelas descobertas da Física Quântica e por pintores cubistas e futuristas, como Pablo Picasso e Giacomo Balla. O primeiro explorou a multiplicidade de perspectivas simultâneas e o segundo , a percepção de velocidade dos objetos em movimento. Também nesse século teremos os surrealistas e suas distorções relativas , equivalentes às distorções da Teoria da Relatividade restrita, descritas por Einstein a partir de 1905.


CUBISMO

Pablo Picasso, Les demoiselles d"Avignon, 1907

Observe bem a tela de Picasso. Quem são? Como se sentem? Que elemento(s) causa(m) estranhamento(s) na tela?

Esse foi o primeiro quadro considerado cubista. Nele , Picasso desenvolve inúmeros conceitos que serão aperfeiçoados no decorrer do século XX e acaba para sempre com a ideia de arte como imitação. Ao eliminar a causalidade, o Cubismo comprimiu o tempo, definindo que não há sequência nem na arte nem na vida. Colocando espaço e tempo como intrínsecos , estabeleceu a simultaneidade de pontos de vista e instaurou o "tudo aqui e agora". O "eterno agora" estica o tempo, dilata-o. Ao eliminar a perspectiva, a tela força o espectador a perceber que não há mais ilusão, porque não há sensação de profundidade nem um ponto de vista dominante, ele agora pode olhar as figuras relativamente, simultaneamente, por todos os lados, de lado, de cima, por baixo, por dentro, por fora, de frente... Subverter as regras da causalidade clássica do mundo e acabar com a tirania do ponto de vista único nos faz reconsiderar a natureza mesma da nossa realidade.


Outro aspecto interessante é a busca minimalista pelo essencial, que pode ser percebido na utilização das máscaras ibéricas e africanas no lugar dos rostos femininos, o que valoriza o primitivismo dos "artistas puros" ainda não contaminados pela erudição da arte convencional, levando o artista a buscar também na composição da figura humana um outro ponto de vista vindo de outras culturas, não eurocêntrico, que rompe com o conceito de beleza tradicional. O quadro representa a crua realidade de um bordel, um tema nada tradicional na arte clássica.


FUTURISMO


" O Tempo e o Espaço morreram ontem. Nós vivemos já no absoluto, já que nós criamos a eterna velocidade omnipresente."

Manifesto Futurista, Tommaso Marinetti, 1909

Giacomo Balla, Dinamismo de um cão na coleira, 1912

A afirmação que abre essa seção, retirada do Manifesto Futurista, poderia ter sido encontrada na publicação de Einstein, em 1905. Nesse Manifesto de 1909, que vale a pena ser lido, tomamos contato com os principais interesses artísticos desse movimento:a negação da arte como imitação, o desprezo pela antiguidade, pela herança cultural e pelas tradições e o elogio da máquina e da velocidade.

Contra a imobilidade da arte clássica, os futuristas descobrem que podem colocar o futuro no presente, por meio de frames sequenciais de movimentos individuais congelados, sobrepondo séries sucessivas de instantes no tempo, como se pode perceber na tela de Balla.

No entanto, a novidade não era tão nova assim , já que a humanidade tentou desde sempre representar o movimento, como podemos ver no desenho desse javali de 8 patas, do período Paleolítico ( nem sempre é legal desprezar o passado rs), pintado numa caverna em Altamira, Espanha:


Caverna de Altamira, Espanha


https://kinodinamico.wordpress.com/tag/rupestre/

Essa vanguarda também teve como inspiração os experimentos dos primórdios da fotografia desenvolvidos pelo inglês Muybridge (1875) e pelo francês Marey (1830-1904), que se dedicaram a fazer fotografias animadas de animais e de seres humanos, conhecidas por cronofotografias. Ao traduzirem essa ideia para seus quadros, propuseram um novo modo de olhar o tempo. Ao eliminarem a sequência temporal, mostraram ao espectador o passado, o presente e o futuro num agora holístico e eterno, criando uma arte verdadeiramente cinética.

O que interessa aqui é pensarmos sobre a associação dessas vanguardas artísticas em confluência com a ciência do século XX. Poderíamos dizer que o Cubismo trabalhou com a simultaneidade de visão no espaço e que o Futurismo , com a simultaneidade no tempo.

É importante dizer que Picasso rejeitou inúmeras vezes a aproximação de sua obra com a Geometria, com as teorias da Física, rejeitava até mesmo o rótulo de "cubista" , queria mesmo era estar livre de sistemas que poderiam aprisionar sua criatividade.


O interessante para a sala de aula, na minha opinião, é aproveitar o "espírito da época" para despertar no aluno uma curiosidade a respeito das ideias circulantes num determinado momento da história,num determinado lugar e trazer isso para o nosso momento : que ideias circulam hoje na nossa sociedade? O que as ficções científicas têm a ver com a revolução tecnológica que experimentamos? Que distopias da Literatura se realizaram? Que mundos podemos sonhar? Imaginaram a riqueza de oficinas interdisciplinares com os colegas das tecnológicas?


Sugestões de atividades:

Leitura de telas cubistas e futuristas

leitura do livro Einstein, Picasso, Agatha e Chaplin, de Regina Gonçalves, Ed. Viajante do Tempo,RJ, 2010.

Pesquisa sobre o conceito de espaço-tempo na Teoria da Relatividade: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-e-a-teoria-da-relatividade-2/

Construção de um circuito para luz estroboscópica : http://mundoprojetado.com.br/luz-estroboscopica-o-que-e-e-como-fazer/

Montagem de um pequeno filme de animação

Animar pinturas futuristas com gifs

Criar telas cubistas usando criativamente figuras geométricas


DADAÍSMO, SURREALISMO E A DISTORÇÃO DO ESPAÇO


No pequeno espaço entre guerras na Europa surgem duas vanguardas que questionam a racionalidade do mundo, a absurda exigência de que a arte faça algum sentido num mundo absolutamente caótico e fragmentado, são os Dadaístas e os Surrealistas. Os primeiros, absolutamente contrários à guerra, estão revoltados também com a civilização que a produziu. À pergunta sobre o significado de Dadá, afirmam que não significa nada e que essa ausência de sentido traduz o absurdo e o grotesco na nossa sociedade.


Marcel Duchamp, um artista que não se filiou verdadeiramente a nenhuma vanguarda, frequenta por um tempo o grupo dadaísta e é o responsável, depois de Picasso, por modificar profundamente o conceito de arte nesse século. Podemos observar que na tela abaixo, Nu descendo a escada, ele retoma concepções cubistas e futuristas, no entanto essa tela foi recusada numa exposição cubista na época , sob a alegação de ser "futurista demais " para ser exibida junto a Picasso e Braque. Os futuristas, por sua vez, também a rejeitaram, pois em seu famoso manifesto consideraram todos os nus como tediosos e nauseantes. Difícil ser gênio, não? Em Nu, Marcel Duchamp desconstrói a forma, deforma o espaço, utiliza ilusões de ótica em que trabalha o volume por meio do movimento, enfim, cria uma arte cinética, cubista e absolutamente autônoma em relação à arte figurativa.


Marcel Duchamp, Nu descendo a escada, 1912

Passa a opôr-se à pintura que chama de "retiniana" ( dependente da retina). Cria os ready-mades, esculturas feitas a partir de objetos do cotidiano deslocadas de suas posições no espaço, abrindo o debate sobre o que faria de um objeto uma obra de arte. Ser artesanal? Seu aspecto único? A assinatura do artista? O título? Sua ressignificação no tempo e no espaço? Sua função? O lugar em que era exposto? O que o lugar em que o objeto se encontra revela sobre sua função? O que o artista pretendia questionar? Que conceitos da arte foram quebrados a partir da exposição desses objetos num museu?


Marcel Duchamp, Roda de bicicleta, 1913

Marcel Duchamp, A Fonte, 1917

Esses ready-mades foram expostos em museus. Além de inverter completamente os sentidos de espaço e função, ao utilizar objetos industriais absolutamente apartados de suas funções originais, o artista, como num jogo de espelhos, também põe o objeto no sentido contrário ao de sua função/nomeação : após ser exibido de cabeça para baixo, o mictório se transforma de receptáculo em fonte. Aparentemente paradoxal, a roda de bicicleta, que nomeia a obra, presa num banco, sugere, de imediato, o movimento. Essas inversões foram mais exploradas pelo artista quanto mais ele mergulhava nos estudos sobre a 4a dimensão, preocupando-se com objetos e superfícies não-orientáveis, que não têm limite, nem início, nem fim, nem dentro , nem fora, o que pode ser melhor compreendido com a fita do matemático Möebius, veja no link abaixo:



Nessa abordagem anti-racional, elege preferencialmente estudos com espelhos, é dessa época sua obra mais comentada, The Large Glass, 1923. Segundo Duchamp, seria necessária uma nova linguagem que pudesse definir um mundo fora das três dimensões. A partir de 1923 vai se afastando da arte e mergulhando nos estudos do jogo de xadrez, que ele afirma que, diferentemente da arte, não pode ser corrompido pelo dinheiro. De 1946 a 1966 realiza secretamente sua última obra , Étant donnés, que mistura diorama, cenografia, escultura e instalação. As influências do Dadaísmo em geral e dos trabalhos de Duchamp em particular podem ser observadas até hoje no Expressionismo Abstrato, na Arte Conceitual, na Pop-Arte norte-americana, por exemplo.


Os surrealistas também beberam na fonte Dadaísta e a ela incorporaram, além de uma certa intencionalidade na obra de arte, os estudos da Psicanálise feitos por Freud. Suas experiências com o inconsciente, principalmente sobre os sonhos _ lugar onde não há sequência temporal, o tempo e o espaço são distorcidos, a causalidade é suspensa e são aceitas todas as incongruências e impossíveis justaposições _ serviram bem aos surrealistas. Ao mobilizarem todas as forças psíquicas liberadas do controle da razão , acreditavam estar criando uma arte que se conectava diretamente com o pensamento, livre totalmente de qualquer preocupação racional, estética ou moral. Utilizaram para isso técnicas como a escrita automática, a hipnose, a interpretação de sonhos, jogos de escrita coletiva e o método paranoico-crítico, criado por Salvador Dalí.

Os anos 30 na Europa, no entanto, foram anos extremamente complexos: A Guerra Civil espanhola antecipara a 2a Guerra Mundial e colocara em linhas opostas o fascismo e o comunismo. Em 1939, o grupo dos surrealistas dividia-se entre os apoiadores do comunismo e Dalí, o catalão que se declarava a favor de Franco e simpatizante de Mussolini, a ponto de nessa época ir viver na Itália. Dizia-se "anarco-monarquista". Polêmico, extremamente católico, alquimista, metafísico, crê num instinto sexual divino e inclui em sua obra temas tabus que incomodam a moral puritana burguesa, como masturbação, sexo oral, grandes pênis, escatologia. No entanto, o artista reacionário politicamente e extremamente ousado ao abordar temas tabus para a moral burguesa e que dominava o circo midiático como ninguém, chega a afirmar " O surrealismo sou eu!" Foi expulso.


No período surrealista, quis criar a iconografia do mundo interior e do mundo maravilhoso, do meu pai Freud … Hoje, o mundo exterior e o da física transcenderam o mundo da psicologia. Meu pai hoje é o dr. Heisenberg, o criador dos primeiros conceitos da física quântica. /.../

A explosão atômica de 6 de Agosto de 1945 abalou-me sismicamente. Daí em diante, o átomo tornou-se o meu assunto de reflexão preferido. Muitas das paisagens pintadas, durante este período, exprimem o profundo medo que senti, ao anunciarem esta explosão. Aplicava o meu método paranoico-crítico à exploração deste mundo. Quero ver e compreender a força e as leis escondidas nas coisas, para as dominar. Tenho a intuição genial de que disponho de uma arma extraordinária, que me permite penetrar no coração da realidade: o misticismo, isto é, a intuição profunda do que é a comunicação imediata com o todo, a visão absoluta através da graça da verdade, através da graça divina. Mais forte do que os ciclotrões e do que as calculadoras cibernéticas, posso num instante penetrar nos segredos do real... A mim o êxtase! Exclamei. O êxtase de Deus e do homem. Venha a mim a perfeição, a beleza, para que as possa olhar bem nos olhos. Morte ao academismo, às formulas burocráticas da arte, ao plágio decorativo.  Foi neste estado de intenso profetismo que compreendi que os meios de expressão pictóricos foram inventados definitivamente e com a máxima perfeição e eficácia no Renascimento, e compreendi também que a decadência da pintura moderna resulta do cepticismo e da falta de fé, consequências do materialismo atomista. Eu Dalí, reatualizando o misticismo espanhol, vou provar com a minha obra a unidade do universo, ao mostrar a espiritualidade de todas as substâncias.”

In, Manifesto Místico-Nuclear

No pós-guerra, Dalí mergulha na Física Quântica em busca dessa outra dimensão mística-nuclear. É dele a linda tela abaixo. Vamos observá-la atentamente?


Crucifixion ( Hypercubus), 1954

Que cena está retratada na tela? O que nela é diferente de outras representações da mesma cena? O que chamou mais a sua atenção ? O que você diria a respeito das proporções usadas pelo artista nessa tela? O que essa proporção tem a ver com o tema retratado?

Nessa tela, a partir de um tema místico, Dalí utiliza-se da 4a dimensão e constrói uma cruz com oito cubos , o tesserato ou hipercubo, projetado pelo matemático britânico Charles Howard Hinton no fim do séc. XIX. Essa cruz, um sólido geométrico sobre o qual Cristo flutua metafisicamente, em vez de a ele estar preso, só pode existir fora da nossa dimensão . É interessante observarmos também que reflexos e sombras são elementos bidimensionais, mas na tela parecem ter profundidade e uma espessura que se reflete no piso, e o espectador se pergunta: Sombra ou tabuleiro de xadrez?

Para que se possa compreender melhor o hipercubo e sua representação numa 4a dimensão, observemos a animação ao lado, do canal Vitruvius Maquete.

Ou essa excelente explicação sobre o cubo no hiperespaço, no canal do professor P. Seleghim, no vídeo abaixo




Compreenderam a genialidade de Dalí? Agora imaginem-se numa aula em que se pode apresentar um tesserato a partir da criatividade e sensibilidade do artista! A gente precisa romper com essa ideia nefasta de que Humanas e Exatas são coisas diferentes e sem diálogo.



ESCHER e a síntese entre a Matemática e a Arte.


Escher, Fita de Möebius II, 1963, giphy.com

A fita de Möebius é um exercício mental para que imaginemos o espaço-tempo contínuo. Se pensarmos que um lado da fita é o espaço e o outro lado o tempo, poderíamos imaginar que a fita representaria o caminho que uniria o que na nossa tridimensional experiência são faces separadas da mesma realidade. Ela também elimina o pensamento maniqueísta predominante na sociedade ocidental , já que não existe dentro/fora, início/fim, esquerda/direita, em cima/embaixo, ou seja, é impossível o posicionamento. Nesse caso os opostos podem ser costurados sem costura, sem início e sem fim, mas como um infinito contínuo. No vídeo abaixo, veremos o que é a fita, como fazê-la e quais as suas aplicações práticas na vida cotidiana.



Os artistas quebraram barreiras rígidas e retilíneas da imaginação humana, isso já podia ser visto nos trabalhos de Duchamp, mas os trabalhos de Escher aprofundam a investigação dessas barreiras. Representante da op arte (abrev.optical art), Escher cria mundos paralelos em que explora a falibilidade do olho humano, pondo em questionamento a ditadura da imagem no mundo contemporâneo. Um outro trabalho que vale a pena conhecer é Relativity.


Escher, Relativity, 1953

Nessa tela, Escher põe em evidência um mundo imaginário em que há variados campos gravitacionais agindo sobre os corpos. Assim, desenha um mundo em que as leis da gravidade tradicional não podem ser aplicadas , pois há mais de um campo gravitacional coexistindo simultaneamente. A gravura parte de um triângulo equilátero, com aberturas para o exterior de onde vem a luz da cena. Há 16 pessoas na imagem , 7 escadas usadas por mais de uma pessoa e que têm sentidos diferentes, na mesma escada uma pessoa sobe e outra desce, o chão está em cima, embaixo, à esquerda e à direita, ou seja, nesse mundo impossível, encontramos o mesmo princípio da não-orientação da fita de Möebius, acrescido das discussões sobre os campos gravitacionais, criando incríveis paradoxos espaciais. Imaginaram o desafio ?

Em 1963, Escher disse numa entrevista :


Meus assuntos também são divertidos. Não posso deixar de zombar de todas as nossas certezas inabaláveis. É, por exemplo, muito divertido confundir deliberadamente duas e três dimensões, o plano e o espaço, ou zombar da gravidade. Você está absolutamente certo de que um piso também não pode ser um teto?


Escher não estudou Matemática formalmente, seu entendimento era basicamente intuitivo e visual, mas sabemos que ele se correspondeu com grandes matemáticos, como os ingleses Harold Scott MacDonald Coxeter, considerado o maior geômetra do séc XX e Roger Penrose, criador da impossível escada de Penrose. Numa carta ao filho Arthur, Escher menciona Einstein , ao dizer que talvez não estivesse tão longe do seu universo-curvo. Virou um ícone da arte matemática . Sua obra instiga inúmeros artistas do cinema, dos quadrinhos, do rock. O vídeo abaixo mostra inúmeros trabalhos inspirados por Escher:


Espaço-tempo medido em anos-luz, buracos-negros, corpos massivos com incrível força gravitacional, capazes de atrair até a luz, diferentes campos gravitacionais coexistindo, são tantos e tão bonitos os caminhos por onde o conhecimento pode nos levar, que me pergunto por que deveriam ser guardados dentro das caixinhas das disciplinas.


Já imaginaram uma escola que possa, por meio de projetos interdisciplinares, abrir suas gavetas compartimentadas e perpassar essas oficinas durante o ano letivo? Já imaginaram as exposições de trabalhos nos pátios?


Há duas semanas fomos testemunhas oculares da história: pela primeira vez estávamos diante da primeira fotografia de um buraco- negro. A cientista Katie Bouman, 29, liderou a equipe que criou o algoritmo capaz de decifrar milhares de dados astronômicos a fim de fotografar o que não pode ser fotografado. Ou não poderia, há duas semanas. Foi um feito incrível, todos os jornais no mundo o noticiaram e publicaram a fotografia icônica. Ao procurar saber mais sobre a cientista, me deparei com sua declaração a respeito do momento de decisão do que iria estudar. Ela conta que no Ensino Médio, em sua escola West Lafayette, participou de uma oficina com professores da Universidade de Purdue. A professora de Biologia Cynthia Stauffacher, da Purdue e coordenadora do departamento de ciências do colégio de Katie intermediou a oficina e despertou seu interesse pela pesquisa "que já estava lá". Ao final de uma das aulas, absolutamente fascinada por imagens do Universo, perguntou ao professor " o que preciso estudar na Universidade para trabalhar com buracos-negros? " E ele respondeu: Astronomia ou Astrofísica. Deu no que deu. A gente precisa acreditar no poder da educação.


Sugestões de atividades:

Criar ready-mades

Criar diferentes fitas de Möebius e pedir que relatem experiências que as associem à vida prática.

Assistir aos vídeos de motivação para introduzir a Teoria da Relatividade














https://vimeo.com/249968820 : Pálido ponto azul, com narração de Carl Sagan, sem legendas. Há vários exemplos do mesmo trecho do livro do cientista disponíveis no Youtube, mas amei essa animação feita por estudantes da Ringling College of Art and Design ( Flórida)



LINKS PESQUISADOS:

IMPA -ICM JOVEM : o mistério da faixa de Möebius https://www.youtube.com/watch?v=4W8CGmds0Gs

MULTIRIO : Como fazer uma fita de Möebius : https://www.youtube.com/watch?v=k7qu8SdD2Eo

MUSEU POMPIDOU : Voulez-Vous un dessin? Série sobre vanguardas criada pelo museu. Centre Pompidou : https://www.youtube.com/watch?v=KKDgFpSkj6I

O BARICENTRO DA MENTE : https://www.obaricentrodamente.com/

PAULO FREIRE: série de vídeos sobre a obra de Freire a partir da leitura do professor André



































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